quarta-feira, 3 de agosto de 2016


RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIME AMBIENTAL
O Brasil foi o primeiro país latino americano a adotar em sua jurisdição a teoria da responsabilização penal da pessoa jurídica, fundamentada no art. 225, §3º da Constituição de 1988. Dentro do parâmetro constitucional, o art. º da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes ambientais), prevê que: “As pessoas jurídicas são responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme disposto nessa Lei, nos casos que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade”.
            É importante ressaltar que, para que seja possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime ambiental, é necessário que também a pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício seja simultaneamente imputada, sob pena de inépcia da denuncia. O art. 21 da Lei de Crimes ambientais estabelece as seguintes penas passíveis as ser aplicadas às pessoas jurídicas que tenham praticado crime ambiental: a) multa (inciso I); b) restritiva de direitos (inciso II); prestação de serviços à comunidade (Inciso III).
            As penas restritivas de direito, por sua vez, podem consistir em (art. 22): a) suspensão parcial ou total de atividades (inciso I), quando não estiverem observando às disposições legais ou regulamentares relativas à proteção ambiental (§1º); b) interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade (inciso II) quando funcionamento sem autorização em desacordo com a concedida ou com violação de disposição legal ou regulamentar (§2º); c) proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações (inciso III), que não poderá exercer o prazo de dez anos (§3º).
DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
No art. 4º da Lei em análise o legislador adotou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, evitando, com isso, eventual frustração ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente. A desconsideração da personalidade jurídica consiste na possibilidade de ignorar a personalidade jurídica autônoma da pessoa moral para chamar à responsabilidade seus sócios ou administradores, quando a utilizam com objetivos fraudulentos diversos daqueles para os quais foi constituída. É necessária, portanto, a configuração do “abuso de direito” para que seja aplicada a teoria da desconsideração.
Em se tratando de crimes ambientais a Lei prevê expressamente a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, sempre que esta for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Neste caso o dispositivo legal dispensa a existência do abuso ou fraude no uso da razão social como requisito para aplicação do aludido instituto. Com isso, aqui é adotada a teoria menor, pela qual a desconsideração da personalidade jurídica basta o prejuízo suportado pelo interessado. Fazendo um paralelo, o art. 50 do CC-02 adota a teoria maior, pois exige abuso de personalidade jurídica para aplicação da referida desconsideração.

A RESPONSABILIDADE PENAL DA EMPRESA SAMARCO  PELA TRAGÉDIA DE MARIANA
Não é muito do conhecimento público, mas o Brasil tem avançadas leis ambientais. Chegam a prever expressamente o afastamento da personalidade jurídica da sociedade empresarial para alcançar os bens dos sócios, se ela for empecilho para a ressarcimento dos danos causados. Pode-se discutir as penas, por serem baixas em muitos casos, considerando o tamanho da desgraça acarretada por um dano ao ambiente. A tragédia de Mariana, em Minas Gerais, dá uma dimensão desse mal, que traz sofrimento e prejuízos altos imediatos e se propaga por gerações. Os tribunais até têm sido enérgicos na aplicação da legislação. A questão é que, nesse caso, de um dos lados, está o maior grupo minerador do planeta: a Vale junto com a australiana BHP Billiton. As duas gigantes são donas com 50% cada, da empresa Samarco, que explora a área de Mariana.
A Constituição brasileira contempla três responsabilidades no caso de danos ao ambiente: a administrativa (cobrada pelo Estado), a civil (obrigação de reparar danos materiais e morais aos atingidos) e a penal (punição criminal dos responsáveis). Pelo jeito, esta última poderá se limitar apenas aos dirigentes da Samarco.
O artigo 225, parágrafo 3º, da nossa Constituição diz que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Notaram a pessoa jurídica? Pois é, empresas também podem ser condenadas criminalmente. A recuperação da área degradada está presente nas três responsabilidades.
A responsabilidade civil por danos ambientais independe de culpa. Por isso, ninguém precisa ficar cheio de dedos ao tratar das acusações ao grupo minerador. É a chamada responsabilidade objetiva. Conforme a Lei 6.938/81, “o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. Criou o risco, já nasce a obrigação de indenizar. Basta demonstrar que a situação arriscada criada pelo poluidor gerou o dano sofrido pela vítima, o chamado nexo causal.
No caso da Vale/BHP Billiton, a atividade é ainda considerada de risco integral, segundo o Superior Tribunal de Justiça, uma modalidade de responsabilidade extremada e excepcional, por estar fundamentada nas situações “em que o risco da atividade econômica desenvolvida também é extremado, como ocorre com o dano nuclear”. O mesmo ocorre com atividades de lavra de minérios ou qualquer outra que cause danos aos meio ambiente. Não se leva em consideração se houve culpa das vítimas, influência de terceiros ou força maior, como calamidades naturais. Não importa o motivo. A atividade em si já gerou o risco, mesmo efetivado por outras causas.
Então, já está claro que o forte grupo empresarial terá que indenizar todas as pessoas atingidas. Todas, até quem está gastando para estocar água mineral no Espírito Santo. Ainda tem o lado cruel da briga judicial que será travada, junto com a seguradora, para diminuir os valores devidos. Agora, divulga nota dizendo que dará todo o suporte. Espera-se, no entanto, que o Judiciário não facilite.
Pela responsabilidade objetiva, o grupo empresarial responsável também terá que reparar a coletividade. É certo que o Ministério Público exigirá na Justiça os danos morais coletivos, cujo valor é recolhido, em geral, ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, mantido pelo Ministério da Justiça (o dinheiro é aplicado na região do dano – ou deveria).
Nos dois tipos de indenização, um empecilho a decisões justas, infelizmente, é o tempo. A demora do Judiciário faz com que o sentimento do alcance do dano se dilua ao longo dos anos de tramitação do processo aos olhos de quem julga e da comunidade.

Processo criminal
A legislação ambiental também prevê a responsabilidade administrativa (cobrada pelo Estado) e a penal. A primeira é efetiva pelos órgãos ambientais do Executivo. Um dia depois desta publicação, o Ibama anunciou a aplicação de multas que podem passar de R$ 100 milhões. A empresa vai discutir essa cobrança durante anos na Justiça.
Há ainda a responsabilidade, a penal. Esta depende de comprovar a culpa ou o dolo. Não parece que será difícil. Há indícios fortes de que aquelas barreiras não aguentariam por mais tempo. Conforme já divulgado, há um laudo nas mãos do Ministério Público, de período anterior, comprovando que a situação estava crítica. Os tribunais interpretam esses casos como dolo eventual, ao assumir o risco do resultado.
O caso já se enquadra em diversos dispositivos da Lei 9.605/98, que prevê como crime: “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”.
O delito ainda é qualificado, ou seja, tem pena maior, por: por tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos. É o que estamos vendo na tragédia de Mariana, cujos efeitos danosos já chegaram ao Espírito Santo.
Diz ainda a lei que comete crime quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível. Tem também o crime do artigo 55: executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida”.
Penas alternativas
Enfim, não falta enquadramento criminal para o que ocorreu em Mariana e regiões vizinhas. As penas, no entanto, são baixas. Mesmo com o crime qualificado por matar pessoas, animais e flora, deixar os moradores fora de seu domicílio ou de afetar ao abastecimento de água, a sanção vai de um a cinco anos de prisão, mais multa.
A pessoa jurídica também pode ser condenada criminalmente. Em geral, ela é sentenciada junto com dirigentes que levaram ao cometimento do delito ou que, devendo, não impediram que o dano ambiental ocorresse. No entanto, conforme entendimento o STJ, pode ocorrer de só a empresa ser responsabilizada na esfera penal, se não forem identificados os responsáveis.
As penas, no caso, são de multa e restrição de direitos, como a suspensão parcial ou total das atividades; a interdição temporária, a proibição de contratar com o Poder Público, bem como obter dele subsídios, subvenções ou doações. A lei também prevê a prestação de serviços à comunidade através de custeio de programas e de projetos ambientais, a execução de obras de recuperação de áreas degradadas e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Por se tratar de uma atividade de risco, a SAMARCO também corre o risco passar por desconsideração da pessoa jurídica, prevista no art. 4º da Lei de Crimes Ambientais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, é de se reiterar que o bem jurídico meio ambiente, por tratar-se de bem difuso, de toda a coletividade, é de suma importância para a vida terrestre. Pelo que a Constituição Federal lhe atribui status de cláusula pétrea e lhe confere importância equiparada a dignidade da pessoa humana. Trata-se, pois, de princípio fundamental que deve ser tutelado nas três esferas (civil, administrativa e penal) e aqueles que de alguma forma pratiquem condutas que afetem este ambiente equilibrado devem responder e reparar o dano, embora na maioria das vezes de difícil reparação.
No que diz respeito ao acidente da SAMARCO, espera-se os infratores sejam devidamente punidos nas três esferas de responsabilidade. E que as autoridades não sejam omissas em seu dever para com o meio ambiente e toda a população.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. In: VADE MECUM. São Paulo: Saraiva, 2015.
BRASIL. Código Civil (2002). In: VADE MECUM. São Paulo: Saraiva, 2015.
Lei n.º 6.938/81. Lei da Política Nacional do Meio Ambiente. In: VADE MECUM. São Paulo: Saraiva, 2015.
Lei n.º 9.605/98. Lei dos Crimes Ambientais. In: VADE MECUM. São Paulo: Saraiva, 2015.
PILATI, Luciana Cardoso; DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental Simplificado. São Paulo: Saraiva, 2011.
SUSTENTABILIDADE. In: Cartilha da Sustentabilidade SEBRAE. Cuiabá: 2012

TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2, 3. Ed. São Paulo: Método, 2008.